sexta-feira, 20 de abril de 2012

PIAUÍ TEM MAIOR CRESCIMENTO AGRÍCOLA DO SÉCULO

PIAUÍ TEM MAIOR CRESCIMENTO AGRÍCOLA DO SÉCULO
Impulsionada pelo cultivo da soja no cerrado, a região sul do estado nordestino é a fronteira agrícola de maior crescimento neste século. O ritmo de avanço é de 15% ao ano, atraindo investidores de todo o país
Caminhoneiro por onze anos, o catarinense Nivaldo Santos conheceu o cerrado do Piauí em uma de suas viagens pelo Brasil no fim dos anos 70. Nada ali o impressionou. Duas décadas mais tarde, já como um pequeno construtor no litoral gaúcho, ele ouviu de um corretor goiano que o sul piauiense estava deixando muita gente rica. A prosperidade vinha do cultivo da soja. Era o ano de 1999.
Santos decidiu comprar um terreno de poucas centenas de hectares na Serra do Quilombo, no sul do Piauí. Buscou, então, a orientação de produtores da região. Prudente, não vendeu seus negócios no Rio Grande do Sul. Mas o tempo mostrou onde estava o seu futuro. Hoje, aos 57 anos, é dono da Fazenda Santos, com 7800 hectares, uma área equivalente a 9500 campos de futebol. Planta soja e milho. Seu mais recente investimento foi um avião seminovo, modelo Beechcraft Bonanza, avaliado em 500 000 reais. O trajem entre Bom Jesus e sua propriedade, que antes levava duas horas de carro, agora é percorrido em 30 minutos.
Essa é apenas uma entre tantas histórias de prosperidade e empreendedorismo de um dos mais vibrantes polos de desenvolvimento regional do país - o sul do Piauí, a região agrícola brasileira que mais cresceu neste século. O ritmo médio é de 15% ao ano, de deixar qualquer chinês babando de inveja. O lugar é uma espécie de sucessor e extensão natural do desenvolvimento que bafejou o oeste baiano nos anos 90. A partir do vigor do agronegócio, o estado, ainda um dos mais pobres do país, liderou a expansão no Nordeste na última década, avançando a uma velocidade de 4,8% ao ano. A média nacional foi de 3,2%.
Esse pedaço do Piauí é o ponto mais efervescente de uma região que, de maneira mais abrangente, é conhecida pela sigla Mapito, por agregar também o sul do Maranhão e o norte do Tocantins. E o que está se vendo ali é apenas o início desse processo. Estima-se que só 15% da área apta para o plantio tenha sido explorada no estado. A produção de soja equivale ainda a apenas 2% do total nacional, mas o ritmo com que se expande é de quem tem urgência. O movimento foi liderado por migrantes gaúchos e paranaenses a partir de meados da década de 90 e intensificado recentemente com a chegada de grandes grupos do agronegócio. A primeira leva de agricultores desembarcou motivada pela busca de condições mais favoráveis para empreender: o encarecimento da terra e dos custos de produção e o aumento da concorrência dificultavam a atividade nos estados do Centro-Sul. No Rio Grande do Sul, o valor da terra é um dos mais altos do país. No cerrado do Piauí, há dez anos, um hectare preparado para o plantio custava 500 reais. Ainda que o preço tenha saltado 700% - para 4000 reais -, está muito aquém dos 19000 reais cobrados no noroeste gaúcho ou dos 16000 reais do sul mato-grossense.
Além do enorme potencial para a produção de grãos, diversos investimentos prenunciam novas vocações nos próximos anos: um polo para a criação de frangos, na esteira da crescente produção de milho (principal insumo para ração), e outro de reflorestamento. A Suzano possui 97000 hectares com eucalipto no Mapito e planeja construir no Piauí uma unidade de produção de celulose.
Para além do custo da terra, o outro fator fundamental para que os produtores prosperassem no Piauí foi o avanço das pesquisas. Ou seja, a agitação agrícola do sul piauiense não é um fenômeno que poderia acontecer décadas atrás, simplesmente por falta de tecnologia adequada. Afirma Pedro Pereira, presidente da Embrapa: "A região pode contar com uma tecnologia já testada em outras áreas. Isso resultou em variedades genéticas de soja mais resistentes a temperaturas elevadas e menor pluviosidade". A produtividade do cerrado piauiense subiu gradualmente. Na safra de 1992, um hectare rendeu menos de 600 quilos de soja, um terço da média nacional. O estado agora se aproxima da elite: as fazendas mais produtivas chegam a colher 4300 quilos por hectare, o equivalente a 72 sacas de soja. Trata-se de níveis obtidos em Mato Grosso, a referência na produção do grão. Os dois estados guardam outra semelhança extremamente benéfica para a lavoura: a topografia. Os chapadões, com dezenas de quilômetros de extensão, favorecem a mecanização das lavouras e explicam a abundância de tratores e colheitadeiras. Além disso, o uso de semente geneticamente modificada, mais resistente às pragas e mais produtiva, atinge 60% da produção.
Por fim, existe um fator-chave que justifica muito do interesse pela região, especialmente dos grandes produtores: a localização privilegiada, que faz o custo do transporte da soja exportada ser inferior ao da safra colhida em Mato Grosso. É uma vantagem comparativa que mais do que compensa a precariedade das rodovias locais, muitas das quais estradas de terra. Da porteira de uma fazenda no cerrado até o Porto do Itaqui, em São Luís, no Maranhão, 1 tonelada de soja sai por 30 a 40 dólares menos do que de uma propriedade em Sorriso, em Mato Grosso, até o Porto de Santos.
 A soja colhida no Centro-Oeste percorre 2000 quilômetros para chegar ao terminal portuário, mais que o dobro da distância que separa as fazendas do Piauí do mar. Além disso, a ferrovia que liga o Pará a São Luís também facilita o escoamento. A localização também conta a favor para abastecer a demanda interna. O aumento do consumo de alimentos no Nordeste foi a razão para a Bunge abrir, em 2003, uma fábrica de processamento de soja em Uruçuí, a segunda maior cidade do cerrado piauiense, com 20000 moradores. Como negócio gera negócio, a fábrica significou garantia de demanda para 280 produtores e atraiu até transportadoras para a região.
O dinheiro novo que agora circula por uma região anteriormente paupérrima tem transformado a paisagem e a rotina das cidades que circundam as lavouras. Em Uruçuí, a represa formada pela usina hidrelétrica de Boa Esperança é tomada peja população nos fins de semana. Há dez anos, a diversão dos moradores era tomar banho e pescar em barcos de madeira. Hoje, eles dividem espaço com jet skis e pequenas lanchas. O contraste é uma tônica dos novos tempos. As ruas estreitas da cidade são ocupadas por grandes picapes. A única concessionária da Toyota no estado, em Teresina, vendeu no ano passado mais de 600 unidades da picape Hilux, quantidade equivalente à de sua principal revenda em Mato Grosso.
Outras mudanças trouxeram benefícios para toda a população. Em Bom Jesus, cidade de 23000 habitantes, o avanço do campo foi determinante para que ela fosse escolhida para abrigar, em 2006, um campus da Universidade Federal do Piauí. O bom-jesuense Luís Truviel é um retrato de quem soube se beneficiar desse novo perfil. Três décadas atrás, ele dividia com o pai o balcão de uma pequena venda de secos e molhados. Preservou o espírito de comerciante, mas mudou de ramo. Primeiro, começou a vender material de construção. Mais tarde decidiu, ele próprio, cuidar das obras e lançou o primeiro loteamento de casas de alto padrão da cidade. Truviel, hoje com 50 anos, comanda a maior loja de material de construção da cidade, ergue casas em novos loteamentos e em fazendas, é dono de dois dos melhores hotéis das redondezas e organiza, com dois sócios gaúchos, a Piauí Agroshow, a segunda maior feira de agronegócio do Nordeste.
Ainda existem muitos desafios para explorar plenamente a potencialidade da região. O regime de chuvas mais bem definido e menos abundante exige planejamento. A margem de erro operacional é menor no Piauí. Tudo tem de ser minuciosamente executado. Se demoramos poucos dias para colher, perdemos parte da safra", diz Salomão Ioschpe, presidente da Insolo.
A empresa, criada como uma consultoria agrícola, é um dos exemplos de profissionalização da região. Adquirida em 2008 pela tradicional família gaúcha que controla o grupo lochpe-Maxion, um dos maiores fabricantes de máquinas do país, ela se transformou em uma das principais produtoras de soja e milho do estado, com uma área plantada de 54000 hectares. A produtividade na região resulta também da seleção de insumos apropriados para a correção do solo, que precisa da adição de calcário e gesso para que se torne fértil. Mas, a julgar pela evolução das pesquisas e da tecnologia disponíveis aos agricultores, são desafios plenamente contornáveis para os desbravadores desse novo polo de desenvolvimento do país.

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