PIAUÍ TEM MAIOR CRESCIMENTO
AGRÍCOLA DO SÉCULO
Impulsionada pelo cultivo da soja
no cerrado, a região sul do estado nordestino é a fronteira agrícola de maior
crescimento neste século. O ritmo de avanço é de 15% ao ano, atraindo
investidores de todo o país
Caminhoneiro por onze anos, o
catarinense Nivaldo Santos conheceu o cerrado do Piauí em uma de suas viagens
pelo Brasil no fim dos anos 70. Nada ali o impressionou. Duas décadas mais
tarde, já como um pequeno construtor no litoral gaúcho, ele ouviu de um
corretor goiano que o sul piauiense estava deixando muita gente rica. A
prosperidade vinha do cultivo da soja. Era o ano de 1999.
Santos decidiu comprar um terreno
de poucas centenas de hectares na Serra do Quilombo, no sul do Piauí. Buscou,
então, a orientação de produtores da região. Prudente, não vendeu seus negócios
no Rio Grande do Sul. Mas o tempo mostrou onde estava o seu futuro. Hoje, aos
57 anos, é dono da Fazenda Santos, com 7800 hectares, uma área equivalente a
9500 campos de futebol. Planta soja e milho. Seu mais recente investimento foi
um avião seminovo, modelo Beechcraft Bonanza, avaliado em 500 000 reais. O
trajem entre Bom Jesus e sua propriedade, que antes levava duas horas de carro,
agora é percorrido em 30 minutos.
Essa é apenas uma entre tantas
histórias de prosperidade e empreendedorismo de um dos mais vibrantes polos de
desenvolvimento regional do país - o sul do Piauí, a região agrícola brasileira
que mais cresceu neste século. O ritmo médio é de 15% ao ano, de deixar
qualquer chinês babando de inveja. O lugar é uma espécie de sucessor e extensão
natural do desenvolvimento que bafejou o oeste baiano nos anos 90. A partir do
vigor do agronegócio, o estado, ainda um dos mais pobres do país, liderou a
expansão no Nordeste na última década, avançando a uma velocidade de 4,8% ao
ano. A média nacional foi de 3,2%.
Esse pedaço do Piauí é o ponto mais
efervescente de uma região que, de maneira mais abrangente, é conhecida pela
sigla Mapito, por agregar também o sul do Maranhão e o norte do Tocantins. E o
que está se vendo ali é apenas o início desse processo. Estima-se que só 15% da
área apta para o plantio tenha sido explorada no estado. A produção de soja
equivale ainda a apenas 2% do total nacional, mas o ritmo com que se expande é
de quem tem urgência. O movimento foi liderado por migrantes gaúchos e
paranaenses a partir de meados da década de 90 e intensificado recentemente com
a chegada de grandes grupos do agronegócio. A primeira leva de agricultores
desembarcou motivada pela busca de condições mais favoráveis para empreender: o
encarecimento da terra e dos custos de produção e o aumento da concorrência
dificultavam a atividade nos estados do Centro-Sul. No Rio Grande do Sul, o
valor da terra é um dos mais altos do país. No cerrado do Piauí, há dez anos,
um hectare preparado para o plantio custava 500 reais. Ainda que o preço tenha
saltado 700% - para 4000 reais -, está muito aquém dos 19000 reais cobrados no
noroeste gaúcho ou dos 16000 reais do sul mato-grossense.
Além do enorme potencial para a
produção de grãos, diversos investimentos prenunciam novas vocações nos
próximos anos: um polo para a criação de frangos, na esteira da crescente produção
de milho (principal insumo para ração), e outro de reflorestamento. A Suzano
possui 97000 hectares com eucalipto no Mapito e planeja construir no Piauí uma
unidade de produção de celulose.
Para além do custo da terra, o
outro fator fundamental para que os produtores prosperassem no Piauí foi o
avanço das pesquisas. Ou seja, a agitação agrícola do sul piauiense não é um
fenômeno que poderia acontecer décadas atrás, simplesmente por falta de
tecnologia adequada. Afirma Pedro Pereira, presidente da Embrapa: "A
região pode contar com uma tecnologia já testada em outras áreas. Isso resultou
em variedades genéticas de soja mais resistentes a temperaturas elevadas e
menor pluviosidade". A produtividade do cerrado piauiense subiu
gradualmente. Na safra de 1992, um hectare rendeu menos de 600 quilos de soja,
um terço da média nacional. O estado agora se aproxima da elite: as fazendas
mais produtivas chegam a colher 4300 quilos por hectare, o equivalente a 72
sacas de soja. Trata-se de níveis obtidos em Mato Grosso, a referência na
produção do grão. Os dois estados guardam outra semelhança extremamente
benéfica para a lavoura: a topografia. Os chapadões, com dezenas de quilômetros
de extensão, favorecem a mecanização das lavouras e explicam a abundância de
tratores e colheitadeiras. Além disso, o uso de semente geneticamente
modificada, mais resistente às pragas e mais produtiva, atinge 60% da produção.
Por fim, existe um fator-chave que
justifica muito do interesse pela região, especialmente dos grandes produtores:
a localização privilegiada, que faz o custo do transporte da soja exportada ser
inferior ao da safra colhida em Mato Grosso. É uma vantagem comparativa que
mais do que compensa a precariedade das rodovias locais, muitas das quais
estradas de terra. Da porteira de uma fazenda no cerrado até o Porto do Itaqui,
em São Luís, no Maranhão, 1 tonelada de soja sai por 30 a 40 dólares menos do
que de uma propriedade em Sorriso, em Mato Grosso, até o Porto de Santos.
A soja colhida no Centro-Oeste percorre
2000 quilômetros para chegar ao terminal portuário, mais que o dobro da
distância que separa as fazendas do Piauí do mar. Além disso, a ferrovia que
liga o Pará a São Luís também facilita o escoamento. A localização também conta
a favor para abastecer a demanda interna. O aumento do consumo de alimentos no
Nordeste foi a razão para a Bunge abrir, em 2003, uma fábrica de processamento
de soja em Uruçuí, a segunda maior cidade do cerrado piauiense, com 20000
moradores. Como negócio gera negócio, a fábrica significou garantia de demanda
para 280 produtores e atraiu até transportadoras para a região.
O dinheiro novo que agora circula
por uma região anteriormente paupérrima tem transformado a paisagem e a rotina
das cidades que circundam as lavouras. Em Uruçuí, a represa formada pela usina
hidrelétrica de Boa Esperança é tomada peja população nos fins de semana. Há
dez anos, a diversão dos moradores era tomar banho e pescar em barcos de
madeira. Hoje, eles dividem espaço com jet skis e pequenas lanchas. O contraste
é uma tônica dos novos tempos. As ruas estreitas da cidade são ocupadas por
grandes picapes. A única concessionária da Toyota no estado, em Teresina,
vendeu no ano passado mais de 600 unidades da picape Hilux, quantidade
equivalente à de sua principal revenda em Mato Grosso.
Outras mudanças trouxeram
benefícios para toda a população. Em Bom Jesus, cidade de 23000 habitantes, o
avanço do campo foi determinante para que ela fosse escolhida para abrigar, em
2006, um campus da Universidade Federal do Piauí. O bom-jesuense Luís Truviel é
um retrato de quem soube se beneficiar desse novo perfil. Três décadas atrás,
ele dividia com o pai o balcão de uma pequena venda de secos e molhados.
Preservou o espírito de comerciante, mas mudou de ramo. Primeiro, começou a
vender material de construção. Mais tarde decidiu, ele próprio, cuidar das
obras e lançou o primeiro loteamento de casas de alto padrão da cidade.
Truviel, hoje com 50 anos, comanda a maior loja de material de construção da
cidade, ergue casas em novos loteamentos e em fazendas, é dono de dois dos
melhores hotéis das redondezas e organiza, com dois sócios gaúchos, a Piauí
Agroshow, a segunda maior feira de agronegócio do Nordeste.
Ainda existem muitos desafios para
explorar plenamente a potencialidade da região. O regime de chuvas mais bem
definido e menos abundante exige planejamento. A margem de erro operacional é
menor no Piauí. Tudo tem de ser minuciosamente executado. Se demoramos poucos
dias para colher, perdemos parte da safra", diz Salomão Ioschpe,
presidente da Insolo.
A empresa, criada como uma
consultoria agrícola, é um dos exemplos de profissionalização da região.
Adquirida em 2008 pela tradicional família gaúcha que controla o grupo
lochpe-Maxion, um dos maiores fabricantes de máquinas do país, ela se
transformou em uma das principais produtoras de soja e milho do estado, com uma
área plantada de 54000 hectares. A produtividade na região resulta também da
seleção de insumos apropriados para a correção do solo, que precisa da adição de
calcário e gesso para que se torne fértil. Mas, a julgar pela evolução das
pesquisas e da tecnologia disponíveis aos agricultores, são desafios plenamente
contornáveis para os desbravadores desse novo polo de desenvolvimento do país.
Fonte: Veja/Blog de Bosco Ascenso
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