TEOLOGIA DA EUCARISTIA
1. Prolegômenos
O Dr. padre Sérgio Carrara,
missionário redentorista, solicitou-me de apresentar aos paroquianos da Igreja
São José, no centro de Belo Horizonte, a
teologia da eucaristia. Aceitando tarefa tal, dei-me ao trabalho de
preparar o presente texto, que na verdade, se trata de uma síntese do livro: redescobrindo
a eucaristia de Cesare Giraudo, um ícone nessa linha. Ora, começo dizendo
que uma das formas que julgo fundamental para apreender uma teologia da
eucaristia, é, sem dúvida, a análise pormenorizada da oração eucarística, "oração
que desde sempre a Igreja faz a eucaristia". Esse texto se presta
justamente a isso: a análise dos elementos da oração eucarística.
Nenhum católico, diz Giraudo, ignora
que a celebração da eucaristia é o rito
basilar da fé. Os que frequentam assiduamente a Igreja sabem que o momento central da missa é a consagração,
que vivem como uma cópia exata do que aconteceu há dois mil e doze anos no
cenáculo. Contudo, não significa dizer que as demais partes da oração
eucarística sejam insignificantes. Deve ser vista no conjunto, pois, trata-se de "uma oração que desde
sempre, a Igreja faz a eucaristia".
2. As duas formas de estudar a eucaristia
Ao longo desses 2012 anos de vida
cristã, a eucaristia foi estuda de duas maneiras, ou seja, através de duas
metodologias, a saber: metodologia eucarística do segundo milênio (estudo da eucaristia na escola) e
metodologia eucarística do primeiro milênio (estudo da eucaristia na Igreja). Como já fora mencionado, a metodologia do segundo milênio
estudava a eucaristia na escola. A
escola era o lugar onde, com os ensinamentos do mestre se forjava a eucaristia.
Alunos e mestres quando se encontravam na Igreja para rezar, suas mentes tinham
presente ao que foi estudado na escola. Primeiro estudavam, depois rezavam. A metodologia do primeiro milênio é bem
diferente. A preocupação dos padres estava em rezar para poder crer. Estudavam os sacramentos no culto e a
partir do culto. O verdadeiro mestre
era o altar.
Assim, os cristãos dos primeiros
séculos estudavam a eucaristia: estudavam-na da ação com que a faziam. Em cada
momento, recolhe toda a dinâmica eucarística e insiste sobre a finalidade última de nossas eucaristias,
afirmando que o corpo sacramental está orientado a nossa transformação "em um só corpo", o corpo eclesial.
3. Análise da oração eucarística
Uma oração eucarística é composta de nove
elementos fundamentais, a saber, diálogo invitatório, prefácio, santo, pós
santo, primeira epiclese (para a transformação das oblatas), narrativa da
instituição, anamnese (oferecimento do memorial), segunda epiclese (para
transformação escatológica dos comungantes), intercessões e doxologia final.
3.1 Diálogo invitatório: é de origem judaica e nas preces eucarísticas
tem a função preliminar. Possui um tríplice convite a louvar ao Senhor que o
presidente faz à assembleia reunida. Ele (diálogo invitatório) é o primeiro elemento da oração eucarística. O
SENHOR ESTEJA CONVOSCO = nos consola saber que o Senhor está conosco, haja visto
que sem ele não somos nada. Expressa a
assistência amorosa e solícita de Deus que nos acompanha. Com o primeiro
elemento do diálogo invitatório, o presidente e a assembleia recordam que estão
para começar em conjunto na oração mais comprometedora de que a Igreja dispõe-se.
Para esta oração, mais que qualquer outra é preciso o auxilio divino, por isso,
diz-se, o Senhor esteja convosco.
CORAÇÕES
AO ALTO = significa concentrar-se e direcionar-se inteiramente para o divino,
deixando tudo que é terreno, preocupações, tristezas e elevar-se para Deus amigo da humanidade. Conforme Santo Agostinho,
o verdadeiro cristão deve constantemente manter seu coração em Deus mediante a
esperança.
DEMOS
GRAÇAS AO SENHOR NOSSO DEUS = é um convite a ação de graças.
Sintetizando, a função do diálogo
invitatório é estabelecer a relação cultual entre a assembleia e Deus, pondo o
parceiro humano em orientação de mente, de coração para com o seu parceiro
divino.
3.2 Prefácio = é um discurso orante em que a comunidade
proclama diante de Deus. Evoca a
história de relações que é história de fidelidade de Deus e história de nossas
infidelidades, história de nossas quedas e história da irrenunciável vontade divina de fazer-nos levantar de
novo. Fortalecida por essa premissa, a Igreja em oração poderá depois
dirigir a Deus sua súplica confiante (sugiro que se analise, por exemplo, o
prefácio da IV oração eucarística). Pois, "é um prefácio bem composto,
cujo tema é a luz. Resume o mistério de Deus, seja considerando em si mesmo,
seja em relação a nós. Deus é mesmo, louvado, porque mesmo habitando em luz
inacessível, quis cercar-se de criaturas que não cessam de alegrar com seu
clarão. Entre estas figuram em primeiro plano os anjos, criaturas de luz por
excelência, que garantem diante do trono de Deus a perenidade de louvor"
(Giraudo, 2003. p28).
3.3 Santo = assim como o diálogo invitatório, o santo é de origem
judaica. Os judeus cantavam o santo duas vezes ao dia, ao despontar do sol e ao
seu desaparecer e o surgimento da lua e das estrelas: cantavam regozijando-se
ao Deus autor da luz. E esse elemento (santo) entra também no rito da
celebração cristã significando a nossa voz junta as vozes celestiais em coro
bendizendo seu santo nome. Com o Santo, que nos sintoniza com a Jerusalém,
nossas vozes fundem-se e se confundem num coro imenso que canta a grandeza de
Deus. Por isso dizemos que o Santo é um hino teológico, ou melhor, é uma
teologia. É a forma suprema com que
a criatura, no momento em que toma consciência da própria condição relacional,
fala de Deus; e não pode falar dele de outra maneira que declarando-o Santo.
3. 4) Epíclese (pedido, petição): terminado o canto do
Santo, o presidente da celebração suplica que o Espírito Santo santifique as
oferendas do povo, pão e vinho, para que se tornem Corpo e Sangue de Cristo.
Chamada "epiclese para a transformação das oblatas".
3.5 Narrativa da Instituição = quando pelas palavras de Cristo e ações de
Cristo se realiza o sacrifício que Ele instituiu na última ceia, ao oferecer
seu corpo e sangue nas espécies do pão e do vinho.
3.6 Anamnese: cumprindo a ordem recebida do Cristo
Senhor, a igreja faz memória do próprio Cristo, relembrando a sua bem-aventurada
paixão, ressurreição e ascensão. “Fazei isto em memória de mim”. Com a
anamnese, a Igreja em oração adere logicamente ao mandato de Cristo citado.
Mistério
da Fé: Eis o mistério da fé! Quando o presidente da celebração diz isto, ele
não está referindo-se única e exclusivamente àquele momento específico do
relato da instituição da eucaristia, como podemos achar, mas quer referir-se à
toda a vida de Cristo na terra e a vida de Cristo em nós e, consequentemente,
nossa vida em Cristo.
3.7 Segunda epiclese: trata da epliclese (pedir) a transformação
escatológica dos comungantes. Na segunda oração eucarística nós lemos assim:
"E nós vos suplicamos que, participando do corpo e sangue de Cristo,
sejamos reunidos pelo Espírito num só corpo". Trata-se, portanto, de pedir
ao Espírito Santo a graça de sermos transformados numa única assembleia, sem
divisões, com os mesmos sentimentos de Cristo. Por isso, que toda a assembleia
responde: “fazei de nós um só corpo e um só espírito”.
3.8 Intercessões: significa que a Eucaristia é celebrada em
comunhão com toda a Igreja, tanto a celeste como a terrestre, e que a oblação é
feita também por ela e por todos os membros vivos e mortos. Amplia o pedido
seja para quem está presente no momento da celebração, seja pelos ausentes. O
que se pede, portanto, é que todos seja um só corpo!
3.9
Doxologia Final: a oração que a
Igreja faz a eucaristia termina com a doxologia. Esta se configura como retorno
ao tema do louvor inicial, começado no prefácio. A este louvor final a
assembleia responde com um amém solene e repleto de compromisso. É, na verdade,
o que chamamos casamento entre fé e vida, culto celebrado em estreita relação
com a vida cotidiana.
4. Da liturgia à vida
Em todas as orações eucarísticas
romanas o bloco constituído pela narrativa e pela subsequente anamnese está
como envolto de duas epicleses. Estas são inseparáveis. Elas formam um único e
grande pedido, com o qual a assembleia, pela boca do presidente da celebração,
pede a Deus Pai que envie o Espírito Santo sobre o pão e sobre o vinho para
transformá-los no corpo sacramental ("epiclese sobre as oblatas")
afim de que todos os que receberem a comunhão sejam transformados "num só
corpo", o corpo eclesial ("epiclese sobre os comungantes") As
duas epicleses constituem uma súplica teologicamente densa, que explica o
porquê de nossas celebrações eucarísticas e comunhões, nos tornarmos o corpo
eclesial, cuja cabeça é o Cristo senhor. A participação no corpo eucarístico
pede-nos compromisso de vida marcadamente do ethos cristão, da ética de Cristo.
4.1 Compromisso ético
Ora, a transformação que se suplica
na epiclese de nos tornarmos "num só corpo" e que as intercessões
tratam de prolongar é vertical e horizontal ao mesmo tempo. A dimensão
vertical, refere-se ao nosso direcionamento e atenção a Deus, que encontra sua
verificação natural na dimensão horizontal, em direcionamento e atenção àqueles
de quem devemos fazer próximos.
4.2 A oração eucarística condensa em si toda
a teologia da eucaristia?
Pode se perguntar: está toda a teologia da
eucaristia expressa na oração eucarística? A admoestação de Gamaleil esclarece a
teologia da ceia pascal com um ensinamento luminoso. Com ela, o pai de família
torna conhecido da comunidade doméstica reunida sob sua presidência que, graças
à mediação sacramental do cordeiro, cada um, pessoalmente, já está lá. De fato,
às margens do Mar não estavam só os pais que o atravessavam fisicamente, mas
cada um dos que hoje compõem a comunidade pascal estava lá, entregue à ação de
descer às águas de morte para morrer à escravidão do Faraó e de sair de novo
das águas da vida para renascer ao serviço do Senhor.
Paulo nos ensina que o pão e o
cálice eucarísticos nos põem em comunhão com o mistério do Cristo morto e
Ressuscitado (cf. 1Cor 10, 16). É porque, a comunidade do cenáculo,
participando daquele primeiro pão partido e bebendo do primeiro cálice, já foi
sepultada na morte de Cristo à condição de escravidão, e, ao mesmo tempo, já
ressurgiu em sua ressurreição à condição de serviço relacional. Através de sua
prefiguração única, irrepetível, a única ceia está orientada, com todo seu peso
teológico, ao futuro imediato que pré-anuncia salvificamente e realiza
profeticamente.
4.3 Comungar do verdadeiro cordeiro
A epiclese da prece eucarística
especifica que nos reunimos para pedir a Deus Pai que, pela força de nossa
comunhão ao corpo sacramental, nos transforme no único corpo eclesial. É,
portanto, para nós, Igreja das gerações subsequentes, que Jesus instituiu a
eucaristia e, no cenáculo, deu a comunidade apostólica essa ordem: "Fazei
isto em memória de mim".
As noções expressas pelos termos memorial, re-apresentação, comunhão correspondem-se perfeitamente e
significam nosso envolvimento salvífico real no evento fundador,
respectivamente na passagem do mar e na morte-ressurreição do Senhor.
5. Conclusão
Se Jesus não tivesse instituído a
eucaristia, o evento de sua morte e ressurreição teria permanecido isolado
naquelas coordenadas de espaço e tempo que foram então suas, e a Igreja das
gerações subsequentes, que somos nós, não teria tido modo de voltar a imergir
salvificamente nele. A celebração da
eucaristia é, portanto, em sumo grau ao mesmo tempo, nosso Calvário e nossa
páscoa.
Enfim, a eucaristia é um sinal de
uma realidade, e, essa realidade é a vida em comunhão com o Senhor expressa: no
amor, na caridade e na solidariedade. Que este princípio seja a nossa marca, o
nosso estilo de vida! Afinal, Jesus nos convida a celebrar a Eucaristia no
mundo. A viver e ser Eucaristia: comida fraterna de compromisso e mudança em
nossa vida e de nossa vida à vida do mundo. O amor de Deus e o amor fraterno é
o que sempre celebramos na Eucaristia.
Referência:
GIRAUDO, Cesare. Redescobrindo a eucaristia.
São Paulo: Loyola, 2003.
IRAN GOMES BRITO - SEMINARISTA DA DIOCESE DE BALSAS-MA
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