NOTÍCIAS DO SUDÃO DO SUL
Leer, 19 de junho de 2011.
Festa da Trindade Santa.
Caro amigo,
a
você fraternas saudações em Cristo nosso Senhor. Espero que esta carta
lhe encontre com muita saúde e em paz. Quanto a mim estou bem.
Aproveito para partilhar mais um pouco da minha experiência missionária
e as expectativas sobre a independência que se aproxima e o rumo que a
nossa missão evangelizadora busca seguir nesse novo país.
Já
faz um ano desde que cheguei ao Sudão do Sul (19 de junho 2010) e no
fim de julho fará um ano que estou vivendo e trabalhando com o povo
Nuer. Como o tempo parece passar tão depressa e quanto tenho aprendido
nesse ano de vida missionária no Sudão, coração da África?! Aprendi
muito sobre a realidade social, política, econômica, cultural e
religiosa. Aprendi muito sobre os missionários que se doaram por este
povo a serviço Evangelho. Aprendi muito sobre o jeito de fazer missão
nessas terras. Aprendi muito sobre mim... e tenho muito o que aprender.
Estou
trabalhando entre o povo Nuer em uma das missões mais difíceis do Sudão
do Sul, onde há muito trabalho e poucos missionários. Na época das
chuvas o acesso a muitas comunidades fica reduzido e o trabalho
pastoral comprometido. A língua Nuer não é uma das mais fáceis de
aprender, porém se consegue. Para tornar a vida do povo do Sudão do Sul
ainda mais difícil, recentemente o governo do Sudão impôs um bloqueio
econômico na fronteira. Com isso os poucos alimentos e combustível que
chegam são muito caros e o povo que já é muito pobre sofre mais ainda.
Tem
havido muitos conflitos internos envolvendo milícias e as forças do
governo e também enfrentamento entre as tribos. Recentemente isso tem
diminuído, mas os conflitos entre o exército do Norte e do Sul
continuam, sobretudo nas áreas onde há petróleo. Há ameaça de guerra
somente na fronteira entre as duas regiões (Sudão do Sul e do Norte).
Aqui onde vivemos felizmente não há conflitos, os desafios são outros.
Apesar
das dificuldades o povo Nuer, como todas as tribos do Sul, é muito
resistente e profundamente religioso. É um povo bastante hospitaleiro e
de cultura e tradições muito fortes. Todavia, carrega também suas
contradições. Eles e o país como um todo ainda vivem a experiência do
pós-guerra: conflitos, agressões, atitudes violentas, corrupção, etc.,
o que torna difícil, mas não impossível, construir um projeto de nação
para todas as pessoas superando o antigo tribalismo.
A
Igreja esteve sempre do lado do povo, especialmente no tempo da guerra.
Agora sente o desafio de ser presença evangelizadora não mais numa
região de guerra e contínuos conflitos, mas numa nova nação com outros
tipos de desafios. Estamos a cerca de vinte dias para que seja
proclamada oficialmente a independência do Sudão do Sul (09 de julho
2011). Como me sinto diante de tudo isso? Qual o sentindo e como vejo a
minha presença missionária nesse novo país?
Primeiramente,
me sinto contente com a missão que realizo e com a comunidade na qual
me encontro. Além disso, todos que se encontram nessa terra vivemos
esse momento histórico com grande expectativa e com muita esperança.
Vejo que a independência política foi uma grande conquista e que custou
a vida de dois milhões de pessoas. Há, porém, muitas outras
independências a serem alcançadas, por exemplo, como ajudar o povo a
caminhar com os próprios pés e a não depender de ajuda humanitária.
Sinto-me desafiado como presença missionária a ajudar nesse processo.
Em
segundo lugar, os povos dessa região são profundamente religiosos,
portadores de ricas tradições e culturas, mas não suficientemente
evangelizados. Também me pergunto como melhor ajudar o povo a conhecer
e experimentar a história da salvação a partir de suas experiências
religiosas, a valorizar suas religiões tradicionais através da
inculturação e diálogo. Além disso, sinto o desafio de como colaborar
para construir uma cultura de paz, direitos humanos e a tão urgente e
necessária reconciliação entre povos que sofreram violência por muitos
anos e aprenderam a ser violentos e que ainda carregam consigo os
traumas da guerra.
A
minha presença missionária é expressão de um grupo maior. Formamos uma
família missionária que também se interroga diante de tantos novos
desafios. Procuramos nos comprometer com a formação das lideranças
desse novo país a partir dos valores evangélicos e ser presença
transformadora a partir da força da Palavra de Deus. É nosso
compromisso promover justiça, paz e reconciliação, autênticos valores
do Reino de Deus, no meio e com o povo, conscientes de que há outras
formas de evangelização. Para isso rezamos, procuramos novas
estratégias e colaboradores. Confiamos também nas suas orações, pois
precisamos construir uma nova ‘nação de cada tribo, língua e povo’ e
desenvolver uma nova ação evangelizadora.
Por
fim, rezo para que a Trindade Santa seja nossa proteção e luz divina
inspiradora. Que a mesma Trindade abençoe a você e sua família e os
conserve na saúde e na paz. Muito axé e ternura do Deus da vida.
Raimundo Rocha – MCCJ – Leer, Sudão do Sul
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