quarta-feira, 23 de maio de 2012

TEOLOGIA DA EUCARISTIA

TEOLOGIA DA EUCARISTIA
1. Prolegômenos
O Dr. padre Sérgio Carrara, missionário redentorista, solicitou-me de apresentar aos paroquianos da Igreja São José, no centro de Belo Horizonte, a teologia da eucaristia. Aceitando tarefa tal, dei-me ao trabalho de preparar o presente texto, que na verdade, se trata de uma síntese  do livro: redescobrindo a eucaristia de Cesare Giraudo, um ícone nessa linha. Ora, começo dizendo que uma das formas que julgo fundamental para apreender uma teologia da eucaristia, é, sem dúvida, a análise pormenorizada da oração eucarística, "oração que desde sempre a Igreja faz a eucaristia". Esse texto se presta justamente a isso: a análise dos elementos da oração eucarística.
            Nenhum católico, diz Giraudo, ignora que a celebração da eucaristia é o rito basilar da fé. Os que frequentam assiduamente a Igreja sabem que o momento central da missa é a consagração, que vivem como uma cópia exata do que aconteceu há dois mil e doze anos no cenáculo. Contudo, não significa dizer que as demais partes da oração eucarística sejam insignificantes. Deve ser vista no conjunto, pois, trata-se de "uma oração que desde sempre, a Igreja faz a eucaristia".
2. As duas formas de estudar a eucaristia
Ao longo desses 2012 anos de vida cristã, a eucaristia foi estuda de duas maneiras, ou seja, através de duas metodologias, a saber: metodologia eucarística do segundo milênio (estudo da eucaristia na escola) e metodologia eucarística do primeiro milênio (estudo da eucaristia na Igreja). Como já fora mencionado, a metodologia do segundo milênio estudava a eucaristia na escola. A escola era o lugar onde, com os ensinamentos do mestre se forjava a eucaristia. Alunos e mestres quando se encontravam na Igreja para rezar, suas mentes tinham presente ao que foi estudado na escola. Primeiro estudavam, depois rezavam. A metodologia do primeiro milênio é bem diferente. A preocupação dos padres estava em rezar para poder crer. Estudavam os sacramentos no culto e a partir do culto. O verdadeiro mestre era o altar.
Assim, os cristãos dos primeiros séculos estudavam a eucaristia: estudavam-na da ação com que a faziam. Em cada momento, recolhe toda a dinâmica eucarística e insiste sobre a finalidade última de nossas eucaristias, afirmando que o corpo sacramental está orientado a nossa transformação "em um só corpo", o corpo eclesial.
3. Análise da oração eucarística
Uma oração eucarística é composta de nove elementos fundamentais, a saber, diálogo invitatório, prefácio, santo, pós santo, primeira epiclese (para a transformação das oblatas), narrativa da instituição, anamnese (oferecimento do memorial), segunda epiclese (para transformação escatológica dos comungantes), intercessões e doxologia final.
3.1 Diálogo invitatório: é de origem judaica e nas preces eucarísticas tem a função preliminar. Possui um tríplice convite a louvar ao Senhor que o presidente faz à assembleia reunida. Ele (diálogo invitatório) é  o primeiro elemento da oração eucarística. O SENHOR ESTEJA CONVOSCO = nos consola saber que o Senhor está conosco, haja visto que sem ele não somos nada. Expressa a assistência amorosa e solícita de Deus que nos acompanha. Com o primeiro elemento do diálogo invitatório, o presidente e a assembleia recordam que estão para começar em conjunto na oração mais comprometedora de que a Igreja dispõe-se. Para esta oração, mais que qualquer outra é preciso o auxilio divino, por isso, diz-se, o Senhor esteja convosco.
CORAÇÕES AO ALTO = significa concentrar-se e direcionar-se inteiramente para o divino, deixando tudo que é terreno, preocupações, tristezas e elevar-se para Deus amigo da humanidade. Conforme Santo Agostinho, o verdadeiro cristão deve constantemente manter seu coração em Deus mediante a esperança.
DEMOS GRAÇAS AO SENHOR NOSSO DEUS = é um convite a ação de graças.
Sintetizando, a função do diálogo invitatório é estabelecer a relação cultual entre a assembleia e Deus, pondo o parceiro humano em orientação de mente, de coração para com o seu parceiro divino.
3.2 Prefácio = é um discurso orante em que a comunidade proclama diante de Deus. Evoca a história de relações que é história de fidelidade de Deus e história de nossas infidelidades, história de nossas quedas e história da irrenunciável vontade divina de fazer-nos levantar de novo. Fortalecida por essa premissa, a Igreja em oração poderá depois dirigir a Deus sua súplica confiante (sugiro que se analise, por exemplo, o prefácio da IV oração eucarística). Pois, "é um prefácio bem composto, cujo tema é a luz. Resume o mistério de Deus, seja considerando em si mesmo, seja em relação a nós. Deus é mesmo, louvado, porque mesmo habitando em luz inacessível, quis cercar-se de criaturas que não cessam de alegrar com seu clarão. Entre estas figuram em primeiro plano os anjos, criaturas de luz por excelência, que garantem diante do trono de Deus a perenidade de louvor" (Giraudo, 2003. p28).
3.3 Santo = assim como o diálogo invitatório, o santo é de origem judaica. Os judeus cantavam o santo duas vezes ao dia, ao despontar do sol e ao seu desaparecer e o surgimento da lua e das estrelas: cantavam regozijando-se ao Deus autor da luz. E esse elemento (santo) entra também no rito da celebração cristã significando a nossa voz junta as vozes celestiais em coro bendizendo seu santo nome. Com o Santo, que nos sintoniza com a Jerusalém, nossas vozes fundem-se e se confundem num coro imenso que canta a grandeza de Deus. Por isso dizemos que o Santo é um hino teológico, ou melhor, é uma teologia. É a forma suprema com que a criatura, no momento em que toma consciência da própria condição relacional, fala de Deus; e não pode falar dele de outra maneira que declarando-o Santo.
3. 4) Epíclese (pedido, petição): terminado o canto do Santo, o presidente da celebração suplica que o Espírito Santo santifique as oferendas do povo, pão e vinho, para que se tornem Corpo e Sangue de Cristo. Chamada "epiclese para a transformação das oblatas".
3.5 Narrativa da Instituição = quando pelas palavras de Cristo e ações de Cristo se realiza o sacrifício que Ele instituiu na última ceia, ao oferecer seu corpo e sangue nas espécies do pão e do vinho.
3.6 Anamnese: cumprindo a ordem recebida do Cristo Senhor, a igreja faz memória do próprio Cristo, relembrando a sua bem-aventurada paixão, ressurreição e ascensão. “Fazei isto em memória de mim”. Com a anamnese, a Igreja em oração adere logicamente ao mandato de Cristo citado.
Mistério da Fé: Eis o mistério da fé! Quando o presidente da celebração diz isto, ele não está referindo-se única e exclusivamente àquele momento específico do relato da instituição da eucaristia, como podemos achar, mas quer referir-se à toda a vida de Cristo na terra e a vida de Cristo em nós e, consequentemente, nossa vida em Cristo.
3.7 Segunda epiclese: trata da epliclese (pedir) a transformação escatológica dos comungantes. Na segunda oração eucarística nós lemos assim: "E nós vos suplicamos que, participando do corpo e sangue de Cristo, sejamos reunidos pelo Espírito num só corpo". Trata-se, portanto, de pedir ao Espírito Santo a graça de sermos transformados numa única assembleia, sem divisões, com os mesmos sentimentos de Cristo. Por isso, que toda a assembleia responde: “fazei de nós um só corpo e um só espírito”.
3.8 Intercessões: significa que a Eucaristia é celebrada em comunhão com toda a Igreja, tanto a celeste como a terrestre, e que a oblação é feita também por ela e por todos os membros vivos e mortos. Amplia o pedido seja para quem está presente no momento da celebração, seja pelos ausentes. O que se pede, portanto, é que todos seja um só corpo!
 3.9 Doxologia Final: a oração que a Igreja faz a eucaristia termina com a doxologia. Esta se configura como retorno ao tema do louvor inicial, começado no prefácio. A este louvor final a assembleia responde com um amém solene e repleto de compromisso. É, na verdade, o que chamamos casamento entre fé e vida, culto celebrado em estreita relação com a vida cotidiana.
4. Da liturgia à vida
Em todas as orações eucarísticas romanas o bloco constituído pela narrativa e pela subsequente anamnese está como envolto de duas epicleses. Estas são inseparáveis. Elas formam um único e grande pedido, com o qual a assembleia, pela boca do presidente da celebração, pede a Deus Pai que envie o Espírito Santo sobre o pão e sobre o vinho para transformá-los no corpo sacramental ("epiclese sobre as oblatas") afim de que todos os que receberem a comunhão sejam transformados "num só corpo", o corpo eclesial ("epiclese sobre os comungantes") As duas epicleses constituem uma súplica teologicamente densa, que explica o porquê de nossas celebrações eucarísticas e comunhões, nos tornarmos o corpo eclesial, cuja cabeça é o Cristo senhor. A participação no corpo eucarístico pede-nos compromisso de vida marcadamente do ethos cristão, da ética de Cristo.   
4.1 Compromisso ético
Ora, a transformação que se suplica na epiclese de nos tornarmos "num só corpo" e que as intercessões tratam de prolongar é vertical e horizontal ao mesmo tempo. A dimensão vertical, refere-se ao nosso direcionamento e atenção a Deus, que encontra sua verificação natural na dimensão horizontal, em direcionamento e atenção àqueles de quem devemos fazer próximos.
4.2 A oração eucarística condensa em si toda a teologia da eucaristia?
            Pode se perguntar: está toda a teologia da eucaristia expressa na oração eucarística? A admoestação de Gamaleil esclarece a teologia da ceia pascal com um ensinamento luminoso. Com ela, o pai de família torna conhecido da comunidade doméstica reunida sob sua presidência que, graças à mediação sacramental do cordeiro, cada um, pessoalmente, já está lá. De fato, às margens do Mar não estavam só os pais que o atravessavam fisicamente, mas cada um dos que hoje compõem a comunidade pascal estava lá, entregue à ação de descer às águas de morte para morrer à escravidão do Faraó e de sair de novo das águas da vida para renascer ao serviço do Senhor.
Paulo nos ensina que o pão e o cálice eucarísticos nos põem em comunhão com o mistério do Cristo morto e Ressuscitado (cf. 1Cor 10, 16). É porque, a comunidade do cenáculo, participando daquele primeiro pão partido e bebendo do primeiro cálice, já foi sepultada na morte de Cristo à condição de escravidão, e, ao mesmo tempo, já ressurgiu em sua ressurreição à condição de serviço relacional. Através de sua prefiguração única, irrepetível, a única ceia está orientada, com todo seu peso teológico, ao futuro imediato que pré-anuncia salvificamente e realiza profeticamente.
4.3 Comungar do verdadeiro cordeiro
A epiclese da prece eucarística especifica que nos reunimos para pedir a Deus Pai que, pela força de nossa comunhão ao corpo sacramental, nos transforme no único corpo eclesial. É, portanto, para nós, Igreja das gerações subsequentes, que Jesus instituiu a eucaristia e, no cenáculo, deu a comunidade apostólica essa ordem: "Fazei isto em memória de mim".
As noções expressas pelos termos memorial, re-apresentação, comunhão correspondem-se perfeitamente e significam nosso envolvimento salvífico real no evento fundador, respectivamente na passagem do mar e na morte-ressurreição do Senhor.
5. Conclusão
Se Jesus não tivesse instituído a eucaristia, o evento de sua morte e ressurreição teria permanecido isolado naquelas coordenadas de espaço e tempo que foram então suas, e a Igreja das gerações subsequentes, que somos nós, não teria tido modo de voltar a imergir salvificamente nele. A celebração da eucaristia é, portanto, em sumo grau ao mesmo tempo, nosso Calvário e nossa páscoa.
Enfim, a eucaristia é um sinal de uma realidade, e, essa realidade é a vida em comunhão com o Senhor expressa: no amor, na caridade e na solidariedade. Que este princípio seja a nossa marca, o nosso estilo de vida! Afinal, Jesus nos convida a celebrar a Eucaristia no mundo. A viver e ser Eucaristia: comida fraterna de compromisso e mudança em nossa vida e de nossa vida à vida do mundo. O amor de Deus e o amor fraterno é o que sempre celebramos na Eucaristia.
Referência:
GIRAUDO, Cesare. Redescobrindo a eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003.
IRAN GOMES BRITO - SEMINARISTA DA DIOCESE DE BALSAS-MA

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